terça-feira, 10 de março de 2009

Possíveis rudimentos de uma psicanálise científica (descoberto mecanismo bioquímico alterável por maus tratos)

Desde que li as diatribes do meu guru Mario Bunge contra a psicanálise (que é uma picaretagem, que a psiquiatria científica não tem lugar para a psicanálise, que os construtos id-ego-superego não se sustentam cientificamente, que os poucos que tentaram fazer ciência em psicanálise não conseguiram confirmar nada e desistiram envergonhados...), presto atenção na questão psicanálise "versus" ciência (vai entre aspas nem sei bem por quê). Bunge põe a psicanálise no mesmo balaio da astrologia.

Se este fosse um blog de psicologia ou psiquiatria psicanalítica, eu temeria ser pulverizado telepaticamente por fundamentalistas (da psicanálise - pois suponho have-los em quantidade considerável). Mas não é, nem eu sou especialista ou sequer metido no assunto. Apenas interessado.

Ouvi Bunge e concordo com a parte fatual (Freud não fez ciência ao criar sua psicanálise - mas até aí nenhuma novidade, pois Maslow também não fez ciência ao criar sua pirâmide que tanta gente acha bacana e, pior, válida...), mas continuo respeitando a genialidade das concepções de Freud (coisa fundamental à grande ciência). Fiquei surpreso de descobrir que o próprio Freud escreveu (1895) um "Projeto para uma Psicologia Científica". Não conheço o documento; não sei se ele se propunha a investigar empiricamente, mas o título sugere isso.

Este comentário vem da leitura, no Jornal da Ciência, do artigo "Males da infância" de Marcelo Leite (originalmente publicado na Folha de São Paulo, 8/3/2009). O artigo não fala sobre a cientificidade da psicanálise, mas sobre a descoberta de um mecanismo (olha aí a sombra do Bunge) bioquímico diferenciado entre seres maltratados e não-maltratados na infância, o silenciamento de glicocorticóides na metilação do gene NR3C1.

3 comentários:

  1. é, tá vendo como as coisas estão inter-relacionadas... transdisciplinares.

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  2. Do post do Bunge vi esse, depois volto à clareza da linguagem do Bunge. Esse post do Freud me chamou a atenção hoje, porque estou com o barbudo na cabeça. Combinei com o prof. Cupani que no início da aula de quarta feira, antes de entrarmos na filosofia da tecnologia, quero questionar o que afinal seria Freud se não foi um cientista? Um pensador? Talvez Bunge pudesse ter sido mais generoso com Freud e ter entendido a psicanálise como uma protociência ao invés de uma pseudociência. Os métodos da época não permitiam comprovar cientificamente aquelas teorias. Como examinar o inconsciente? Como aplicar o método da falseabilidade ao sofrimento psíquico, aos traumas e hisórias de vida?
    Por outro lado, Freud tentou, exaustivamente, em seus talvez mais de 60 anos de vida produtiva usar métodos científicos. Como bom espírito científico soube testar teorias e rejetiá-las quando não se mostraram válidas como ocorreu em relação à hipnose. Relatava pormenorizadamente os casos que tratava, apresentava resultados à comunidade científica. Mas, não havia àquela época meios de comprovar suas teorias. Entretanto, cem anos na história das ciências não é nada... Freud, com seu espirito científico nunca considerou sua teoria pronta.
    No mais, não pensamos que só o que é ciência é válido. Filosoficamente, a tecnologia se diferencia da ciência (Bunge também trata com a clareza habitual de filosofia da tecnologia), entretanto, ninguém pensaria em dispensar do mundo a tecnologia por não ter métodos próprios, diferentes dos métodos da ciência e por ter, principalmente, objetivos diferentes.
    Depois da aula de quarta, conto o que concluímos na turma e com a ajuda do prof. Cupani (um filósofo analítico como Bunge).

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  3. Pois é, o caso da psicanálise...
    Há um bom resumo da crítica bungeana na versão castelhana da Wikipedia (na versão atual se resume a "Carece de consistencia externa", "Dualismo mente-cerebro" e "El psicoanálisis no somete sus ideas a control empírico"). O primeiro item é a crítica mais importante.

    Se por um lado a crítica do Bunge à falta de consistência externa (que a psicanálise, diferentemente de qualquer ciência, é isolada, não tem entrelaçamento com as demais) é séria e convincente, me parece exagerado colocá-la no mesmo balaio (pseudociência) da astrologia.

    O contra-ataque imediato (de quem estuda e/ou pratica a psicanálise) é dizer que Bunge deve ter alguma motivação bastante pessoal para criticar a psicanálise com tanta dureza. Mas acho relevante que a crítica parece ser muito mais à psicanálise do que a Freud (não lembro de ler Bunge destroçando Freud, mas também não li tudo de Bunge), muito mais ao "grande negócio" (expressão de Bunge) que é na Argentina do que ao seu criador austríaco.

    O fato é que até hoje não consegui entabular conversas muito produtivas sobre a crítica do Bunge com quem é pró-psicanálise, talvez pela minha ignorância sobre o assunto. De qualquer forma, louvo a clareza dele ao afirmar abertamente que se trata de "macaneo", embuste. Vejo a dureza bungeana como um catalisador do avanço da atual psicanálise para algo mais científico (coisa da qual os psicanalistas humanamente discordarão).

    Fico curioso para saber da conversa com o prof. Cupani.

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