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terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Fábula de los tres hermanos: Uma metáfora das principais visões de mundo segundo Bunge

Há algum tempo descobri mais esta grande canção de Silvio Rodriguez (o maior poeta da música popular que conheço). O cubano escreveu a Fábula de Los Tres Hermanos (vídeo abaixo), contando a história de três chicos que saíram pelo mundo a descobrir y a fundar. Um só olhava para o chão, o outro só contemplava o horizonte, o terceiro mirava uma pupila no pisar e outra no adiante ("ligeiramente" estrábico, portanto).

A fábula me lembra muito o que li no Emergence and Convergence do Mario Bunge sobre individualismo, holismo e sistemismo (exceto que no texto bungeano um deles não se dá mal). O individualismo (abordagem que embasa o que mais ortodoxamente se entende por ciência), más viejo, olha bem onde pisa, caminha com precisão, mas falha em chegar longe porque só enxerga o detalhe. O holismo (visão de mundo que não quer saber de explicar nada; só que "tudo está conectado", wohoo!) não se prende a essas amarras - só quer saber de mirar longe e vai tropeçando em todo mero pedrisco e caindo em todo buraco do caminho. O sistemismo, el pequeño, tanto esquadrinha a minúcia quanto vislumbra a perspectiva ampla.

Aqui é onde a fábula difere do filósofo. Bunge defende que o sistemismo renega e reconcilia os "irmãos mais velhos" ao reconhecer as virtudes e os defeitos de ambos ("tudo o que a ciência fez" e não reconhecer a existência do todo versus reconhecer o todo e ser contra a razão) e abordar os problemas com as virtudes e sem os defeitos dessas duas abordagens tradicionais. Mas, segundo a fábula, a tentativa de ver o todo e a parte ao mesmo tempo só deixa a visão extraviada...

Quem sabe, se trabalharem juntos, com paciência interdisciplinar...? (O objetivo aqui é estético. É só uma brincadeira com poesia, música e metáfora. Em outros fóruns, e quem sabe em futuros posts, vou falar sobre a diferença entre ser reducionista e fazer o "corte de nível", a redução sistemista - para ficar na diferença que vale a pena discutir, relativa ao individualismo.).

Ouça a música, veja o vídeo, acompanhe a letra:

Fábula de los tres hermanos (Silvio Rodriguez)

De tres hermanos el más grande se fue
Por la vereda a descubrir y a fundar
Y para nunca equivocarse o errar
Iba despierto y bien atento a cuanto iba a pisar

De tanto en esta posición caminar
Ya nunca el cuello se le enderezó
Y anduvo esclavo ya de la precaución
Y se hizo viejo, queriendo ir lejos, con su corta visión

Ojo que no mira más allá no ayuda el pie
Óyeme esto y dime, dime lo que piensas tú

De tres hermanos el de en medio se fue
Por la vereda a descubrir y a fundar
Y para nunca equivocarse o errar
Iba despierto y bien atento al horizonte igual

Pero este chico listo no podía ver
La piedra, el hoyo que vencía a su pie
Y revolcado siempre se la pasó
Y se hizo viejo, queriendo ir lejos, a donde no llegó

Ojo que no mira más acá tampoco fue
Óyeme esto y dime, dime lo que piensas tú

De tres hermanos el pequeño partió
Por la vereda a descubrir y a fundar
Y para nunca equivocarse o errar
Una pupila llevaba arriba y la otra en el andar

Y caminó, vereda adentro, el que más
Ojo en camino y ojo en lo por venir
Y cuando vino el tiempo de resumir
Ya su mirada estaba extraviada entre el estar y el ir

Ojo puesto en todo ya ni sabe lo que ve
Óyeme esto y dime, dime lo que piensas tú


terça-feira, 10 de novembro de 2009

Para criticar a Bunge

[Aos avoantes que chegaram googlando, esclareço que o "a" do título é uma preposição e não um artigo. Isto é, "Para criticar a (Mario) Bunge" e não, por exemplo, "Para criticar a (empresa) Bunge". Pronto, esclarecido.]

Sou um bungeano da nova cepa, isto é, minhas leituras de Mario Bunge começaram por Emergence and Convergence (texto quase completo no Google Books), de 2003, publicado muito tempo depois do seu Treatise on Basic Philosophy (anos 1970-80) e outras peças mais conhecidas. Logo no capítulo 3 de E&C Bunge introduz o modelo CESM (composition-environment-structure-mechanism) de sistema, coisa que logo me pareceu poderosa, simples, muito esclarecedora e útil para modelagem de sistemas (computacionais, inclusive). A primeira aparição do CESM que conheço é de um artigo de 1997, onde toda a essência do modelo está presente aos pedaços (não há o enunciado "este é o CESM"). Tratando-se do nonagenário Bunge, portanto, é coisa muito recente.

O problema é que, de tanto citar (o modelo CESM em particular e o sistemismo em geral), corro o risco de ser visto como especialista em Bunge, quando na verdade sou um diletante que encontrou algo muito útil na filosofia bungeana. Suponho que leva muito mais tempo para passar de diletante (com minha formação em engenharia, que praticamente exclui filosofias e "humanidades") a especialista em tão vetusto assunto.

Ainda assim (ou seja, mesmo me excusando), não estou livre de ser interpelado como conhecedor da filosofia de Bunge - em especial, por alunos. Uma das cutucadas mais inconvenientes é "Quais são as principais críticas contrárias a Bunge?" (pois é óbvio que las hay, e eu deveria conhecer). Bem... Além dos ataques frontais à psicanálise (que é um embuste, que fica no mesmo balaio da astrologia), Don Mario já emitiu algumas opiniões sobre rock (que não é música) e futebol (que não é um fenômeno social, mas esportivo) que, longe de suas contribuições principais à ontologia e à epistemologia, é por onde alguns críticos o desmerecem.

Pois bem: Vi no blog GrupoBunge a "denúncia" de um blog post difamatório (em outro blog) que já recebeu mais de 100 comentários, grande parte deles de excelente qualidade. Esse blog post, em si, tem algumas virtudes, mas é superado em muito por diversos comentaristas (embora também haja algum bate-boca nas cento e tantas entradas). Eu até comentei no GrupoBunge sobre o que li (e me diverti) no tal blog post, de onde destaco um comentário sintético e "na mosca", a meu ver:

Comentário #13 por Carlos González, Abril 6, 2007:
“El problema, o lo que molesta, de autores como Bunge y otros, es que tratan de demarcar límites bien establecidos entre disciplinas, artes, etc. (independientemente si lo compartimos o no), lo que va en contra del discurso predominante de lo políticamente correcto: de la integración y respeto hacia el otro en todas sus facetas. En general, salirse de lo políticamente correcto es un trabajo sucio y sólo para cojonudos (‘los hay en todos los bandos, no sólo en los liberales de derecha’).
En todo caso, me reí muchas veces con la columna y tb los comments.”

Sem mais delongas, para quem gosta de filosofia da ciência e de debates nesse mundo 2.0, eis o tal blog post:

Mario Bunge: un charlatán más en el reino de los charlatanes, em 16 de novembro de 2006, no blog "Soy donde no pienso", por Leandro Andrini (por coincidência, um físico de La Plata, como Bunge).

domingo, 4 de outubro de 2009

Mario y Mercedes, vitórias e tragédias

Meu último post 90 anos de Mario Bunge merece esta sequência. Fermín Huerta, um dos mais ativos contribuidores, postou no blog GrupoBunge o link de uma homenagem ao aniversário publicada pela revista política SinPermiso, composta por testemunhos de diversos acadêmicos que conheceram e foram influenciados pelo físico e filósofo argentino-canadense.

Dos 14 pequenos textos, tiro 3 pílulas para apresentar aqui:

  1. Esta pequena conclusão de Anna Estany (catedrática de Lógica e Filosofía da Ciência na Universitat Autònoma de Barcelona) que tanto nos diz respeito, aqui no EGC/UFSC, quanto aponta o filósofo portenho-esquimó como profeta dessa vanguarda que engrossamos:
    Parece que hemos llegado a un punto de inflexión en el que se necesitan campos interdisciplinares para abordar fenómenos complejos, y aquí es donde la figura de Bunge emerge como una alternativa para poder hacer reflexiones transdiciplinares.
  2. Esta pequena entrevista com Bunge apontada por María Manzano (também catedrática de Lógica e Filosofía da Ciência, mas em Salamanca) e concedida a seu filho Ulises Tindón, então pelolargo calouro universitário, com respostas a 4 perguntinhas tão condizentes com a idade do perguntador quanto encantadoras:
    ¿Qué recomendarías a un chico de mi edad como futura carrera?
    ¿Es la sociedad de hoy en día más justa que la que te tocó vivir en tu juventud?
    En mi libro de filosofía te consideran como uno de los representantes actuales del monismo emergentista ¿Consideras que esto se corresponde con la realidad?
    ¿Qué piensas sobre internet?
  3. E a mais bela das homenagens, que permite vislumbrar um pouco do que de melhor Bunge inspira: El Don del Fuego, por Rafael González del Solar (filósofo e tradutor argentino, professor de Filosofía na Universitat Autònoma de Barcelona):
    Los antiguos griegos intentaron explicar el mundo con sus mitos. El ejemplo en el que pienso acaba con el héroe encadenado a un monte mientras un águila le devora el hígado. Los mitos pueden inspirar y entretener, pero no describir o explicar; mucho menos, predecir. Hace mucho que no creo en dioses ni en demonios y sin embargo no he perdido la fe. Me refiero a esa confianza de ojos abiertos que tanto le gusta a Mario, la que está fundada en la razón y en la experiencia. Mi fe, mi confianza, está con los hombres, especialmente con aquellos que, como Mario Bunge, tienen vocación de titán.

O devaneio dominical por páginas espanholas também me permitiu o privilégio de encontrar, no mesmo dia da publicação, o que pensa Mario Bunge sobre El inicio de la decadencia política en Argentina, na edição atual (5) de SinPermiso, de onde extraio este trecho em que Bunge revisa um ato equivocado de políticos progressistas argentinos, entre eles seu pai (para ver qual foi o caso, siga o link acima; meu interesse aqui é na citação de Maquiavel):

El oportunismo o utilitarismo que predicó el eminente Niccoló Machiavelli se justificaba en una época en que los partidos políticos no se distinguían por sus principios y programas sino solamente por los intereses materiales que defendían.

Se esta época é passado na Argentina, para o Brasil parece o tempo atual na mais precisa descrição. Brasil e Argentina - eis uma dupla inexplicável para mim. Eles têm 2 nobéis de Medicina, 1 de Química e 1 da Paz (correção: 2, vide a lista dos 5 no total), nós... somos simpáticos. Eles têm (ou tiveram) Oposição, nós vamos no rumo do México dos tempos do PRI, Partido Revolucionario Institucional (para quem não conhece a História, esclareço que não é piada - o partido é, ao mesmo tempo, "revolucionário" e "institucional" e governou o México de 1929 a 2000). Eles sabem ler e escrever, nós... Eles lembram decadência e nós, "Yes, we créu!".

Ambos tivemos uma debandada de intelectuais durante as ditaduras militares. Os nossos voltaram, todos. Os deles, nem todos. Mario Bunge continua fora, para o bem dele e da humanidade. E não é que não tenhamos tido homens e mulheres de valor que lutaram e não transigiram quanto a seu caráter, sua integridade. Tivemos, mas de alguma forma não parecem à altura desta outra figura que nos deixa hoje. Mercedes Sosa, La Negra tucumana, já não canta por aqui. A homenageiam Las Madres de la Plaza de Mayo e todo o país, todo o mundo. Muito conhecida cantando Gracias a la vida, por mim é preferida em Los pueblos de gesto antiguo (abaixo, direto do YouTube).

Enfim, parodio a quem nem lembro quem foi que se saiu com esta: Clementina morreu, João Nogueira morreu, Vinícius de Moraes morreu, Mercedes Sosa morreu... e eu não ando me sentindo muito bem. Pero Don Mario sigue, firme y fuerte.



sábado, 19 de setembro de 2009

90 anos de Mario Bunge

Não gosto de "Parabéns a você" (prefiro outras coisas ridículas), mas devo falar sobre os 90 que Mario Augusto Bunge cumple nesta Segunda, 21/09/2009. Físico por formação, filósofo por vocação, filho de deputado e de família culta, parente meio distante dos criadores da empresa que leva seu sobrenome, criador da Universidad Obrera aos 18 anos (Perón faria o favor de fechá-la, em mais uma ratificação da tragédia argentina), há muito tempo professor da universidade McGill, canadense.

Cheguei a ele de forma algo fortuita, ao orientar uma dissertação de mestrado no EGC, interdisciplinar. Como é comum entre engenheiros orgulhosos da sua formação, as lacunas ficaram mais claras depois dos 40 (felizmente eu já vinha me preparando com a leitura de The Civilized Engineer).

Diferentemente de outras (tentativas de) incursões na Filosofia, Emergence and Convergence [texto quase completo no G. Books] "desceu redondo": claro, simples, denso, idéias poderosas. Bem diferente da conclusão que tiro das leituras de Deleuze e Guattari - cada 2 páginas caberiam numa sentença se os autores soubessem escrever, e ainda assim a densidade de idéias seria baixa. (A afirmação bombástica é apoiada pela explicação que me deu um amigo professor, bem mais conhecedor de Filosofia do que eu: "Esses filósofos escrevem muito mal").

Duas coisas funcionaram em conjunto para que eu virasse um bungeano instantâneo (desde meados de 2008):

  • A crueza e facilidade com que Bunge afirma "tal coisa é uma falácia". Os ataques diretos de Bunge facilitam o trabalho de quem não sabe e está querendo aprender. Fica claro o que ele afirma e o que ele refuta e fica fácil contrastar as coisas (na grande maior parte das vezes, no meu caso, o contraste apenas aumenta o tamanho da goleada pró-Bunge).
  • A simplicidade, originalidade e poder do modelo CESM (composition, environment, structure, mechanism), que eu passei a propagandear (alguns ppts aqui) e presentemente emprego numa abordagem à modelagem de sistemas, ainda por publicar. O que dá para adiantar é que, como tudo é sistema, o CESM permite desenhar modelos que podem ser discutidos por peritos de áreas diversas, inclusive da Informática, que é tecnocêntrica - ou seja, não se dedica a enxergar o todo (bem, nenhuma disciplina é diferente, nesse ponto), mas apenas a tecnologia e as entradas e saídas do sistema social.

Mas um blog post sobre o 90o aniversário requer uma conversa mais casual e agradável. Então, aí vão algumas pílulas bungeanas para divertir ou quem sabe até curar alguma dor de cabeça irracionalista (há mais algumas em Wikiquotes):

"Permítame que, con característica humildad porteña, le ofrezca algunos consejos sobre política internacional y nacional."
(Introdução de um artigo de opinião no jornal La Nación, no qual Bunge dá conselhos sobre política externa e interna a Barack Obama).

Duas pérolas da entrevista a Núria Navarro d'El Periodico, em julho último:

Repórter: ¿El poder siempre corrompe?
Bunge: No. No corrompió a Nelson Mandela, un hombre con sólidos valores personales y sociales. Alguien dispuesto a hacer el bien al prójimo. A luchar por la paz, la conservación del medioambiente, la igualdad...

Bunge: En septiembre cumplo 90 años.
Repórter: Pues luce usted muy juvenil.
Bunge: Eso es porque evito el alcohol, el tabaco y la posmodernidad.

Sobre a falácia da globalização em "Tres mitos de nuestro tiempo: virtualidad, globalización, igualamiento" (2001):
Por ahora sólo atraviesan libremente las fronteras el capital financiero, los gérmenes patógenos y las malas costumbres.

No primeiro texto da série que La Nación vem publicando mensalmente desde 09/07/2008:

Cuando en las ciencias o técnicas se afirma que cierto problema es insoluble, se exige una demostración rigurosa de tal insolubilidad. Y cuando un científico o técnico somete un texto a publicación, lo menos que exigen sus jueces es que sea inteligible. ¿Por qué? Porque los seres racionales ansían comprender y porque solamente los enunciados claros son susceptibles de ser puestos a prueba para averiguar si son verdaderos o falsos.
En las humanidades ocurre o debería ocurrir otro tanto, pero no siempre es así. Nietzsche le reprochó su claridad a John Stuart Mill. En cambio, Henri Bergson, pese a ser intuicionista, escribió claramente y declaró que "la claridad es la cortesía del filósofo". La oscuridad es grosera, porque supone que el interlocutor es incapaz de entender y dialogar.

E, finalmente, eis o que Bunge diz em vários artigos e outras publicações sobre a má fama conquistada pelos termos sistema e sistêmico:

Quando cientistas sociais rigorosos contemporâneos ouvem a palavra "sistema", eles ficam propensos a sacar suas armas intelectuais.