Antes que algum não-amante do esporte bretão abandone a leitura, deixa eu dizer que aproveito toda oportunidade para explicar para os não-iniciados (frequentemente mulheres, mas há também barbados) que o futebol é uma arte. Tem aspectos rudes, às vezes atrozes, estúpidos até (na maior parte das vezes, fora das 4 linhas, entre torcedores), mas tem arte tão delicada e sublime quanto a ópera, a literatura, o balé, a sinfonia. A gente vê com alguma frequência, especialmente se torce para um time que tem Nilmar e D'Alessandro.
Pois o Sport Club Internacional faz 100 anos hoje e eu quero dar um recado e lembrar 2 colorados amados por mim. O recado é o seguinte: imagina uns gatos pingados forasteiros, na Porto Alegre de 1909, que reúnem alguns locais e fundam um clube de futebol disposto a enfrentar ninguém menos que o maior time que existe na região (isso mesmo, o Grêmio, fundado em 1903, praticamente restrito aos descendentes de alemães e italianos). Pois foram lá e, como se soubessem exatamente o que estavam fazendo (ou será que sabiam?), desafiaram o valentão do bairro para um 'racha'. Não foi apenas o primeiro grenal, foi o primeiro jogo do Inter. 10x0, contra.
Persistiram. Em vez de promover a segregação, aceitaram a diversidade. A torcida, popular, barulhenta, festeira, contaminou até os costumes do adversário, que passou a imita-la. Um dia, ganharam (levou 6 anos). Noutro dia, humilharam por 7x0 (levou 39 anos). E um dia ganharam tudo (levou quase 100 anos). Valor, visão, ousadia, persistência - está dado o recado.
Os 2 colorados que quero lembrar já fazem parte da galeria de colorados eternos. Não chegaram a ver o Inter campeão do mundo (mas viram o Rolo Compressor, que dizem que foi tão grande ou maior). Meu tio Carlos Crivellaro, grande fotógrafo e grande ser humano, dono de 2 cadeiras cativas no Gigante da Beira-Rio naquela década de 1970, foi proibido pelo médico de ir ao estádio ou mesmo de ouvir a narração dos jogos pelo rádio, pois a questão cardíaca o mataria. Imagino o sacrifício. Mas obedeceu; foi caminhar com os demais safenados na Redenção, viveu bem por mais algumas décadas (e sempre se pode ver a reprise do jogo pela TV, não é mesmo?). Este vídeo promovido pelo Inter me fez lembrar muito dele, até por uma certa semelhança física: