quinta-feira, 7 de maio de 2009

Plágio-cópia literal: mas é claro que o problema não é esse

A partir de um toque da Andréa Bordin, que me mostrou a matéria na Folha - Obrigado.

A Folha de São Paulo repercute os plágios de 2 artigos inteiros publicados originalmente na Química Nova e reproduzidos inadvertidamente pela Revista Analytica em 2007. Por mais chocante que pareça, o caso é apenas uma prova de que o plágio incompetente também existe. Mas o problema da desonestidade científica não é esse.

Oxalá fosse ("Que bão se sesse"), pois a desonestidade pueril é fácil de ser combatida. Há ferramentas para pegar o plagiador "no pulo". No caso específico, uma mera verificação de plágio literal (sim, Google!, que pega todo o SciELO, que inclui a Química Nova) denunciaria os 2 artigos.

A desonestidade competente é que é difícil de remediar. Esse é O problema nos países cientificamente mais avançados (vide um festival de artigos que desancam a peer review, por exemplo, este). Consta que nosso visionário Barend Mons, parceiro do EGC e do Instituto Stela, usou suas invenções em concept cloud num estudo exploratório com uma amostra de 10 mil research proposals para certa big agência de fomento e pegou coisa que duvidavam: muitas engenhosas operações de obtenção de financiamento duplo - óbvio que nenhuma delas fez a chinelice de usar plágio literal.

No Brasil, o problema é agravado pela falta de transparência nos processos. Se, por exemplo, não há feedback aos autores nas concorrências públicas por financiamento para pesquisa, um eventual transgressor - seja autor, avaliador, gestor ou um consórcio desses - é praticamente inimputável. Ainda mais se o transgressor conhece os meandros do sistema, tem reputação ilibada, é impoluto, probo, erudito, douto, de caráter sem jaça... e tem poder e se enfurece e fica agressivo quando esquinado. Que doido vai querer contrastar? Quem vai para a cadeia é quem denuncia (Lembram do funcionário público corrupto que recebeu 3 mil reais in cash exposto em horário nobre na TV? Levou MESES para ser demitido e não consta que esteja preso, mas quem filmou foi preso imediatamente. Não foi na C&T, mas você entendeu a idéia).

Mal comparando, é como certos casos de políticos contra os quais "nada nunca foi provado", ops..., "nenhuma condenação definitiva existe", ops... sei lá. O fato é que a coisa toda fica facilitada quando não há transparência. Conclusão: se a peer review é podre quando há feedback, o que dizer da que se resolve entre quatro paredes e não deve explicação para ninguém?

Mas, para mim, o problema ainda não é esse. Não creio que haja muita transgressão na C&T brasileira (afinal, o orçamento da C&T é troco de picolé, se compararmos com outros setores da economia e do governo). Para mim, o crime é interditar, engavetar, esconder o registro do conhecimento produzido no processo de avaliação - os pareceres consubstanciados dos avaliadores. Que o diga quem já recebeu feedback de qualidade. Vencendo ou não o pleito, sempre se aprende muito. Sem feedback, a garantia é de condenação: não aprenderemos, não saberemos por que nosso artigo ou proposta de pesquisa foi aceito ou não. O efeito sistêmico também é conhecido: continuamos atrasados.

2 comentários:

  1. Concordo com seus argumentos sobre a falta de transparencia nos julgamentos de projetos por parte do CNPq e outras agencias.

    abraços
    Marcelo Hermes

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  2. Caro Marcelo,

    Agradeci por e-mail mas falhei em entender o protocolo blogueiro - deveria ter agradecido e comentado aqui.

    Faço agora, então, com algum atraso. Folgo em constatar que sua manifestação está alinhada à de todos os colegas que ouço (à exceção de um ex-presidente do CNPq que veio a público ignorar as manifestações claras da comunidade e defender "o processo de revisão pelos pares" que não existe; mas não sei se cabe considerá-lo colega).

    Obrigado,
    Vinícius

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