sábado, 19 de setembro de 2009

90 anos de Mario Bunge

Não gosto de "Parabéns a você" (prefiro outras coisas ridículas), mas devo falar sobre os 90 que Mario Augusto Bunge cumple nesta Segunda, 21/09/2009. Físico por formação, filósofo por vocação, filho de deputado e de família culta, parente meio distante dos criadores da empresa que leva seu sobrenome, criador da Universidad Obrera aos 18 anos (Perón faria o favor de fechá-la, em mais uma ratificação da tragédia argentina), há muito tempo professor da universidade McGill, canadense.

Cheguei a ele de forma algo fortuita, ao orientar uma dissertação de mestrado no EGC, interdisciplinar. Como é comum entre engenheiros orgulhosos da sua formação, as lacunas ficaram mais claras depois dos 40 (felizmente eu já vinha me preparando com a leitura de The Civilized Engineer).

Diferentemente de outras (tentativas de) incursões na Filosofia, Emergence and Convergence [texto quase completo no G. Books] "desceu redondo": claro, simples, denso, idéias poderosas. Bem diferente da conclusão que tiro das leituras de Deleuze e Guattari - cada 2 páginas caberiam numa sentença se os autores soubessem escrever, e ainda assim a densidade de idéias seria baixa. (A afirmação bombástica é apoiada pela explicação que me deu um amigo professor, bem mais conhecedor de Filosofia do que eu: "Esses filósofos escrevem muito mal").

Duas coisas funcionaram em conjunto para que eu virasse um bungeano instantâneo (desde meados de 2008):

  • A crueza e facilidade com que Bunge afirma "tal coisa é uma falácia". Os ataques diretos de Bunge facilitam o trabalho de quem não sabe e está querendo aprender. Fica claro o que ele afirma e o que ele refuta e fica fácil contrastar as coisas (na grande maior parte das vezes, no meu caso, o contraste apenas aumenta o tamanho da goleada pró-Bunge).
  • A simplicidade, originalidade e poder do modelo CESM (composition, environment, structure, mechanism), que eu passei a propagandear (alguns ppts aqui) e presentemente emprego numa abordagem à modelagem de sistemas, ainda por publicar. O que dá para adiantar é que, como tudo é sistema, o CESM permite desenhar modelos que podem ser discutidos por peritos de áreas diversas, inclusive da Informática, que é tecnocêntrica - ou seja, não se dedica a enxergar o todo (bem, nenhuma disciplina é diferente, nesse ponto), mas apenas a tecnologia e as entradas e saídas do sistema social.

Mas um blog post sobre o 90o aniversário requer uma conversa mais casual e agradável. Então, aí vão algumas pílulas bungeanas para divertir ou quem sabe até curar alguma dor de cabeça irracionalista (há mais algumas em Wikiquotes):

"Permítame que, con característica humildad porteña, le ofrezca algunos consejos sobre política internacional y nacional."
(Introdução de um artigo de opinião no jornal La Nación, no qual Bunge dá conselhos sobre política externa e interna a Barack Obama).

Duas pérolas da entrevista a Núria Navarro d'El Periodico, em julho último:

Repórter: ¿El poder siempre corrompe?
Bunge: No. No corrompió a Nelson Mandela, un hombre con sólidos valores personales y sociales. Alguien dispuesto a hacer el bien al prójimo. A luchar por la paz, la conservación del medioambiente, la igualdad...

Bunge: En septiembre cumplo 90 años.
Repórter: Pues luce usted muy juvenil.
Bunge: Eso es porque evito el alcohol, el tabaco y la posmodernidad.

Sobre a falácia da globalização em "Tres mitos de nuestro tiempo: virtualidad, globalización, igualamiento" (2001):
Por ahora sólo atraviesan libremente las fronteras el capital financiero, los gérmenes patógenos y las malas costumbres.

No primeiro texto da série que La Nación vem publicando mensalmente desde 09/07/2008:

Cuando en las ciencias o técnicas se afirma que cierto problema es insoluble, se exige una demostración rigurosa de tal insolubilidad. Y cuando un científico o técnico somete un texto a publicación, lo menos que exigen sus jueces es que sea inteligible. ¿Por qué? Porque los seres racionales ansían comprender y porque solamente los enunciados claros son susceptibles de ser puestos a prueba para averiguar si son verdaderos o falsos.
En las humanidades ocurre o debería ocurrir otro tanto, pero no siempre es así. Nietzsche le reprochó su claridad a John Stuart Mill. En cambio, Henri Bergson, pese a ser intuicionista, escribió claramente y declaró que "la claridad es la cortesía del filósofo". La oscuridad es grosera, porque supone que el interlocutor es incapaz de entender y dialogar.

E, finalmente, eis o que Bunge diz em vários artigos e outras publicações sobre a má fama conquistada pelos termos sistema e sistêmico:

Quando cientistas sociais rigorosos contemporâneos ouvem a palavra "sistema", eles ficam propensos a sacar suas armas intelectuais.

2 comentários:

  1. Além de tudo o que você disse tão bem sobre o Bunge, para mim, a espirituosidade do filósofo é outra "goleada pró-Bunge"!!

    Sobre a clareza desse filósfo, cito outro filósofo da ciência que, como Bunge, condena a falta de clareza de certas correntes da filosofia. Popper tem um texto chamado "Contra as grandes palavras", onde diz, "é importante jamais esquecer nossa ignorância. Por isso jamais devemos fingir saber e jamais devemos usar grandes palavras". No mesmo texto, Popper faz uma "tradução" de Habermas:

    Trecho de texto de Habermas: "a totalidade social não leva vida própria acima da que é unida por ela, da qual ela mesma é composta"

    O mesmo trecho "traduzido" por Popper: "a sociedade consiste em relações sociais"

    E voltando ao aniversariante, que continue nos brindando com sua clareza e inteligência por muito tempo ainda.

    Livro citado:
    POPPER, Karl. Em busca de um mundo melhor. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

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  2. Obrigado pelo comentário com essa preciosa "tradução" popperiana do texto do Habermas, Alessandra.

    Anotei entre os bits que mantenho num fichamento de idéias bungeanas e relacionadas.

    Quem conhece o modelo CESM do Bunge consegue usar a tradução do Popper para entender o que havia de válido na afirmação do Habermas, e ainda mais (sem trocadilho): que a sociedade é feita de pessoas (composição) sob condições culturais, morais, climáticas, econômicas etc. (ambiente) e as relações sociais (estrutura) são canais da emergência (mecanismo) das propriedades da sociedade.

    Voltando ao Habermas, o exemplo é bom para mostrar que a violência textual não é privilégio de autores pouco educados (quem costuma ler trabalhos de graduação entende...), mas também instrumento de eruditos.

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