sábado, 4 de abril de 2009

Amor que dura 100 anos existe; eu explico.

Antes que algum não-amante do esporte bretão abandone a leitura, deixa eu dizer que aproveito toda oportunidade para explicar para os não-iniciados (frequentemente mulheres, mas há também barbados) que o futebol é uma arte. Tem aspectos rudes, às vezes atrozes, estúpidos até (na maior parte das vezes, fora das 4 linhas, entre torcedores), mas tem arte tão delicada e sublime quanto a ópera, a literatura, o balé, a sinfonia. A gente vê com alguma frequência, especialmente se torce para um time que tem Nilmar e D'Alessandro.

Pois o Sport Club Internacional faz 100 anos hoje e eu quero dar um recado e lembrar 2 colorados amados por mim. O recado é o seguinte: imagina uns gatos pingados forasteiros, na Porto Alegre de 1909, que reúnem alguns locais e fundam um clube de futebol disposto a enfrentar ninguém menos que o maior time que existe na região (isso mesmo, o Grêmio, fundado em 1903, praticamente restrito aos descendentes de alemães e italianos). Pois foram lá e, como se soubessem exatamente o que estavam fazendo (ou será que sabiam?), desafiaram o valentão do bairro para um 'racha'. Não foi apenas o primeiro grenal, foi o primeiro jogo do Inter. 10x0, contra.

Persistiram. Em vez de promover a segregação, aceitaram a diversidade. A torcida, popular, barulhenta, festeira, contaminou até os costumes do adversário, que passou a imita-la. Um dia, ganharam (levou 6 anos). Noutro dia, humilharam por 7x0 (levou 39 anos). E um dia ganharam tudo (levou quase 100 anos). Valor, visão, ousadia, persistência - está dado o recado.

Os 2 colorados que quero lembrar já fazem parte da galeria de colorados eternos. Não chegaram a ver o Inter campeão do mundo (mas viram o Rolo Compressor, que dizem que foi tão grande ou maior). Meu tio Carlos Crivellaro, grande fotógrafo e grande ser humano, dono de 2 cadeiras cativas no Gigante da Beira-Rio naquela década de 1970, foi proibido pelo médico de ir ao estádio ou mesmo de ouvir a narração dos jogos pelo rádio, pois a questão cardíaca o mataria. Imagino o sacrifício. Mas obedeceu; foi caminhar com os demais safenados na Redenção, viveu bem por mais algumas décadas (e sempre se pode ver a reprise do jogo pela TV, não é mesmo?). Este vídeo promovido pelo Inter me fez lembrar muito dele, até por uma certa semelhança física:




E meu velho avô Waldemar... Um dia perguntei: "Vô, por que a gente é colorado?" O velho me olhou, tentando entender a pergunta absurda, com a grande paciência que sempre teve comigo. Disse que não era coisa que se explicasse, mas a nossa família tinha sido dos Maragatos (para quem não é gaúcho: facção identificada pelo lenço vermelho, lado perdedor das revoluções de 1893 e 1923, sempre o lado rebelde). Pois é... rebeldia, convicção, valor, derrota. Saber perder, saber ganhar, saber viver.

Mas talvez seja demasiado eu querer filosofar. De qualquer forma, o mero fato do centenário é demais para eu tentar traduzir. Deixo-os com o mestre Luís Fernando Veríssimo, que, após a vitória em Tóquio em 17/12/2006, nos brindou com esta pérola:




Escrevo no início da noite de 4/4/2009, data do centenário do Inter (e, portanto, antes do grenal marcado para as 17 h deste domingo, 5/4). Meu palpite? 1x0, gol deste gênio chamado Nilmar. Se o Inter ganhar, o campeonato gaúcho fica sem graça e perigoso, pois os próximos 2 jogos que decidem o 2o turno, contra times do interior, têm de ser vencidos. Ganhar o grenal e perder o turno seria vexame (mas ainda assim levaria a uma decisão na qual o Inter já está garantido por haver vencido o 1o turno). Se o Grêmio vencer, fará a façanha de estragar a nossa festa, mas ainda assim terá que ganhar 2 jogos e depois nos enfrentar na final.

O grande encanto deste grenal 376 é que, apesar da emoção que o cerca, não pode haver surpresa. Se o Inter ganhar - mesmo se golear - é apenas a lógica, a coroação. Se o Grêmio ganhar, nada mais é do que a revanche pela maldade feita pelo co-irmão no torneio de inauguração do estádio Olímpico, em 1954, quando o Inter de Larry Pinto de Faria lhe aplicou 6x2 e 4x0 (para não falar nos 2x0 na Copa Sul-Americana, o primeiro grenal oficial internacional, no dia do aniversário deles em 2004). Se o Grêmio ganhar, será a vitória de um técnico colorado (para a posteridade: Celso Roth). Se o Inter vencer, será o triunfo de um técnico gremista (para a posteridade: Adenor Leonardo Bacchi, o Tite).

E com essa mal disfarçada homenagem ao co-irmão (meu 2o time desde que deixei o Rio Grande e me cansei de ver jogo comentado pela tendenciosa imprensa cariôca e paulôca - e não importa que os gremistas não me acreditem), entro no coro da torcida e repito o refrão: "Colorado! Colorado! Nada vai nos separar. Somos todos teus seguidores, para sempre vou te amar."


Anúncio da realização do primeiro grenal (não clique para enlarguecer porque já está enlarguecido ao máximo)

2 comentários:

  1. Valeu Soninha!
    E vê como é a coisa... Deu nóis de novo! Não sobra uma pra eles! Confesso que me dá medo de perder o freguês...

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