terça-feira, 13 de outubro de 2009

Um passo à frente (peer review com feedback)

Tenho sido acusado - justamente, eu assumo - de ser obcecado por revisão pelos pares na aprendizagem. Conquistei essa fama porque venho fazendo e propagandeando desde 1997, depois de experimentar como aluno em 1994, na Virginia Tech, assistindo CAD I, lecionada pelo co-orientador de doutorado Jan Helge Bøhn.

Lembro que o contato com este segredo ferozmente guardado (como se avalia ciência e como é a experiência de participar do processo) representou muito para mim. Achei tudo muito elucidativo e estimulante. Perguntei a mim mesmo por que seria que os milhares de doutores que o Brasil forma e formou no exterior não compartilham esse segredo (assumindo que os que se formam no Brasil não têm mesmo como adivinhar como se faz).

De volta ao Brasil, não resisti um ano até experimentar com meus alunos, na graduação (com fracassos épicos e sucessos idem, como conto em alguns relatos). Depois, com a oportunidade de fazer na pós-graduação stricto sensu, acabaram os fracassos épicos. Sempre foi de bom para melhor.

Mais complicado do que segurar o repuxo dos fracassos foi explicar para os pós-graduandos que vão adiante e se aventuram a submeter proposta de pesquisa a algum órgão de fomento que aquela peer review que experimentamos em classe não é bem a mesma que fazem as maiores agências de fomento brasileiras. Nessas, tem peer, tem review, mas não tem o que no exterior é tão básico que nem acharam importante incluir no nome: feedback, retorno, resposta. Peer review sem feedback, uma invenção brasileira. E não adianta solicitar, pedir, argumentar, replicar, treplicar. Não tem feedback e continuar insistindo é algo muito malvisto.

Quem sabe, porém, a coisa esteja mudando. Li recentemente em um edital: "Para propostas recomendadas, será definido o valor a ser financiado [...]. Para propostas não recomendadas, será emitido parecer consubstanciado contendo as justificativas para a não recomendação." Fica evidente, na redação, o pressuposto de que só aos derrotados interessa saber os motivos, de que a questão é pecuniária. Mas é um avanço.

Não diz que os pareceres anônimos serão retornados, respondidos, fed back aos proponentes, mas dá para supor que sim. E, se for assim, chegará ao fim o desperdício do conhecimento produzido no processo de avaliação e a condenação da comunidade brasileira à não-aprendizagem com seus erros e acertos em propostas de pesquisa. Fica um pouco mais difícil a um avaliador, também, fazer impunemente um parecer incompetente ou coisa pior.

Talvez eu, com minha obcessão pela peer review, esteja vendo coisa demais nessas 2 sentenças. Sei que vozes importantes na comunidade acadêmica acham que o problema maior está na outra ponta - as propostas aprovadas que recebem financiamento, depois apresentam seus relatórios... e o que mesmo contribuíram? Talvez seja isso mesmo: o maior problema do financiamento à pesquisa é a falta de uma avaliação efetiva de resultados (e as atitudes que devem derivar dessa avaliação efetiva). Mas há um avanço. Peer review com feedback é um avanço. Com o quarto de século de atraso regulamentar (como ensina Maria da Conceição Tavares), já podemos discutir os problemas sérios da peer review legítima.

domingo, 4 de outubro de 2009

Mario y Mercedes, vitórias e tragédias

Meu último post 90 anos de Mario Bunge merece esta sequência. Fermín Huerta, um dos mais ativos contribuidores, postou no blog GrupoBunge o link de uma homenagem ao aniversário publicada pela revista política SinPermiso, composta por testemunhos de diversos acadêmicos que conheceram e foram influenciados pelo físico e filósofo argentino-canadense.

Dos 14 pequenos textos, tiro 3 pílulas para apresentar aqui:

  1. Esta pequena conclusão de Anna Estany (catedrática de Lógica e Filosofía da Ciência na Universitat Autònoma de Barcelona) que tanto nos diz respeito, aqui no EGC/UFSC, quanto aponta o filósofo portenho-esquimó como profeta dessa vanguarda que engrossamos:
    Parece que hemos llegado a un punto de inflexión en el que se necesitan campos interdisciplinares para abordar fenómenos complejos, y aquí es donde la figura de Bunge emerge como una alternativa para poder hacer reflexiones transdiciplinares.
  2. Esta pequena entrevista com Bunge apontada por María Manzano (também catedrática de Lógica e Filosofía da Ciência, mas em Salamanca) e concedida a seu filho Ulises Tindón, então pelolargo calouro universitário, com respostas a 4 perguntinhas tão condizentes com a idade do perguntador quanto encantadoras:
    ¿Qué recomendarías a un chico de mi edad como futura carrera?
    ¿Es la sociedad de hoy en día más justa que la que te tocó vivir en tu juventud?
    En mi libro de filosofía te consideran como uno de los representantes actuales del monismo emergentista ¿Consideras que esto se corresponde con la realidad?
    ¿Qué piensas sobre internet?
  3. E a mais bela das homenagens, que permite vislumbrar um pouco do que de melhor Bunge inspira: El Don del Fuego, por Rafael González del Solar (filósofo e tradutor argentino, professor de Filosofía na Universitat Autònoma de Barcelona):
    Los antiguos griegos intentaron explicar el mundo con sus mitos. El ejemplo en el que pienso acaba con el héroe encadenado a un monte mientras un águila le devora el hígado. Los mitos pueden inspirar y entretener, pero no describir o explicar; mucho menos, predecir. Hace mucho que no creo en dioses ni en demonios y sin embargo no he perdido la fe. Me refiero a esa confianza de ojos abiertos que tanto le gusta a Mario, la que está fundada en la razón y en la experiencia. Mi fe, mi confianza, está con los hombres, especialmente con aquellos que, como Mario Bunge, tienen vocación de titán.

O devaneio dominical por páginas espanholas também me permitiu o privilégio de encontrar, no mesmo dia da publicação, o que pensa Mario Bunge sobre El inicio de la decadencia política en Argentina, na edição atual (5) de SinPermiso, de onde extraio este trecho em que Bunge revisa um ato equivocado de políticos progressistas argentinos, entre eles seu pai (para ver qual foi o caso, siga o link acima; meu interesse aqui é na citação de Maquiavel):

El oportunismo o utilitarismo que predicó el eminente Niccoló Machiavelli se justificaba en una época en que los partidos políticos no se distinguían por sus principios y programas sino solamente por los intereses materiales que defendían.

Se esta época é passado na Argentina, para o Brasil parece o tempo atual na mais precisa descrição. Brasil e Argentina - eis uma dupla inexplicável para mim. Eles têm 2 nobéis de Medicina, 1 de Química e 1 da Paz (correção: 2, vide a lista dos 5 no total), nós... somos simpáticos. Eles têm (ou tiveram) Oposição, nós vamos no rumo do México dos tempos do PRI, Partido Revolucionario Institucional (para quem não conhece a História, esclareço que não é piada - o partido é, ao mesmo tempo, "revolucionário" e "institucional" e governou o México de 1929 a 2000). Eles sabem ler e escrever, nós... Eles lembram decadência e nós, "Yes, we créu!".

Ambos tivemos uma debandada de intelectuais durante as ditaduras militares. Os nossos voltaram, todos. Os deles, nem todos. Mario Bunge continua fora, para o bem dele e da humanidade. E não é que não tenhamos tido homens e mulheres de valor que lutaram e não transigiram quanto a seu caráter, sua integridade. Tivemos, mas de alguma forma não parecem à altura desta outra figura que nos deixa hoje. Mercedes Sosa, La Negra tucumana, já não canta por aqui. A homenageiam Las Madres de la Plaza de Mayo e todo o país, todo o mundo. Muito conhecida cantando Gracias a la vida, por mim é preferida em Los pueblos de gesto antiguo (abaixo, direto do YouTube).

Enfim, parodio a quem nem lembro quem foi que se saiu com esta: Clementina morreu, João Nogueira morreu, Vinícius de Moraes morreu, Mercedes Sosa morreu... e eu não ando me sentindo muito bem. Pero Don Mario sigue, firme y fuerte.